quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A Oeste Nada de Novo, de Erich Maria Remarque

Os Estados fazem a guerra

REMARQUE, Erich Maria. A Oeste nada de novo. Lisboa: Livros de Bolso Europa-América, s/d. 204p.

Aperto a tecla pause desta lista de resenhas de ensaios e incluo um romance. Para ser mais preciso, o romance de certo Paul Baumer – dezoito anos, um esboço de peça teatral (“Saul”) na gaveta, alguns poemas, o sonho de ser escritor, uma irmã triste e uma mãe com cancro. E como sempre se passa em romances, aconteceu algo – Estados decidiram resolver suas diferenças na marra – e ele pagou a conta.

Erich Maria Remarque tem muito de seu personagem Paul: dezoito anos em 1916, convocaram-no ao sorvedouro de carne chamado Primeira Guerra Mundial. A partir daí as lendas prevalecem: não se sabe quantas vezes foi ferido, nem quanto tempo permaneceu realmente na lama das trincheiras. Sabe-se que foi e viu a guerra – sem poemas nem baladas. Depois disso tentou meia dúzia de profissões. Até que escreveu um livro para exorcizar seus fantasmas – e o resultado foi o primeiro best-seller da era moderna, com um milhão de exemplares vendidos.

Im Westen nichts Neues trata de um grupo de estudantes alemães embriagados de propaganda patriótica que se engaja como voluntários na guerra. O primeiro cabo imbecil e o primeiro bombardeio dilaceram seu idealismo.

Neste livro escasseiam as datas, nomes de batalhas e de planos, os quais fazem a estética dos livros de guerra – quando vista pelos generais, que pouco sofrem as consequências dela. Para o soldado comum resta uma pilha de momentos que não muita sequência formam entre si, como uma espécie de eterno tempo presente. Este é o caroço da narrativa: um ataque com gás, os abarracamentos, a visita aos feridos, um bombardeio que dura dias, uma licença, a volta, o hospital. O tempo parece não passar.

Livro de fantasmas, explicitamente se refere ao trauma dos jovens – pegos em uma cunha entre a autoridade já frouxa dos pais e a influência ainda fraca das mulheres. Com a vida partida, sentem-se descrentes – não revolucionários. O que pode servir como exemplo para uma sociedade com muitos jovens na marginalidade: não são eles os que fazem revoluções.

O Estado-nação aperfeiçoou seus instrumentos durante o século XIX. Ou suas garras, poder-se-ia dizer. No caso dos países desenvolvidos, isso desembocou na aliança de uma recém-criada indústria química e metalúrgica com cliques de estados-maiores e necessidades de expansão comercial. E o resultado foi o sacrifício de rapazes. Dos vinte colegas de Paul Baumer, só um não saiu morto, amputado ou interno no manicômio.

A Primeira Guerra aplicou golpe (merecidamente) duro em ideias como o progresso inevitável dos povos, a superioridade moral dos europeus e o desenvolvimento como fator garantidor da paz. Também na doutrina do Estado – na sua nobreza intrínseca e no dever sacrossanto de defendê-lo. Foram esses até então inatacáveis Estados que trucidaram os meninos do romance.

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