terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O Terceiro Combatente, de Marcel Junod

Lembranças da Cruz Vermelha

JUNOD, Marcel. Le Troisième Combattant. Genebra: Comitê Internacional da Cruz Vermelha, 1989. 371p.

Suez abre suas eclusas. É a guerra.

Não a menos dramática passagem de uma obra na qual momentos dramáticos não faltam, esta frase exemplifica a sóbria tensão de um livro-testemunho. Começa com um telefonema para um rapaz no final de 1935. Um amigo lhe fazia uma oferta de mudar de emprego: deixaria o seu atual, um confortável posto de chefe de departamento cirúrgico, e partiria para uma guerra.

Os fascistas italianos tinham acabado de invadir a Etiópia. E a oferta era para ele viajar ao país invadido como delegado da Cruz Vermelha, para fiscalizar o cumprimento das convenções internacionais sobre tratamento de feridos e prisioneiros. Não pertenceria portanto a nenhum dos dois lados de toda guerra. Seria o Terceiro Combatente.

O jovem suíço Dr. Marcel Junod aceitou. E pelas próximas centenas de páginas vemos um relato de testemunha ocular de campos de batalha e de prisioneiros, desde Adis Abeba até Hiroshima.

O livro transmite a delicadíssima posição de um fiscal da Cruz Vermelha. Homem sem armas, transita entre homens muito bem armados, oficiais de exércitos, pedindo para que eles tenham exatamente o que são treinados para não ter – empatia pelo sofrimento humano, especialmente do inimigo.

Para poder circular por todos os lados em conflito o delegado deve adotar uma neutralidade quase exasperante. No entanto pode-se perceber a indignação do autor diante da injustiça. Logo no começo do livro ele observa que as tropas italianas que iriam matar etíopes passavam pelo canal de Suez, então propriedade britânica. Se os ingleses fechassem o canal, não haveria guerra.

Mas os ingleses não fecharam. Preferiram cobrar uma taxa caríssima por mercadoria transportada, em ouro, o que levou os fascistas a fazerem uma campanha por doação de joias de família, com grande apoio popular. Os súditos da Rainha ganharam seu dinheiro e os fascistas a sua guerra. São os deslizes dos senhores britânicos nas suas relações com o totalitarismo fascista, hoje esquecidos.

Um ponto alto acontece quando o autor procurou salvar prisioneiros de guerra ameaçados de fuzilamento por Hitler. Correu por estradas pequenas repetindo-se os nomes de alguns dos homens cujas vidas terminou por poupar.

Este livro publicado inicialmente em 1957 permite entrever os fatores que possibilitaram a permanência e o sucesso desta organização caritativa internacional. O primeiro deles talvez seja o seu caráter tentacular: existe a Cruz Vermelha de cada país. Congregam-se no Comitê Internacional da Cruz Vermelha, com sede em Genebra, na Suíça. Foi deste que o Dr. Junod foi empregado.

Outro aspecto é o de sua estrita neutralidade e atuação com concordância das partes beligerantes. No decorrer da leitura é difícil não simpatizar com aquele médico que, com voz suave, dizia na cara de certos senhores que eles não estão cumprindo com as convenções assinadas. Dito de outra forma, que eram criminosos.

Trata-se de uma boa introdução ao conhecimento desta organização presente em todo o mundo, a Cruz Vermelha.