domingo, 22 de março de 2015

A Escola de Jules Ferry, de Xavier Darcos

A República vai à Escola

DARCOS, Xavier. L´école de Jules Ferry: 1880-1905. Paris: Hachette Littératures, 2005. 293p.

Um político francês chamado Jules Ferry empenhou-se em estabelecer leis que regeriam algo que não existia antes, o ensino público obrigatório. Mais de cem anos depois o também político e também devotado a Educação Xavier Darcos escreveu esse livro sobre as condições concretas de vida na escola deste pioneiro republicano. Darcos utilizou amplamente na obra sua experiência como antigo Ministro delegado do Ensinamento Escolar no governo francês.

No Brasil discute-se a Escola. E se discute e se discute. Os Governos exaltam os docentes em homenagens no Dia do Professor. Este último faz greve e leva pancadas da polícia. Prefeituras distribuem tablets. E os sucessivos fracassos do aluno nacional em comparação com os de outros países passam mansamente pelos jornais.

Na França de 1880 também se discutia. Havia no entanto um ingrediente esquecido no Brasil de hoje. Neste se enfatiza a educação como direito do jovem, particularmente do pobre; como fator de redistribuição de renda; como corretor de antigas injustiças. Quase não se fala na Educação como interesse de Estado.

Jules Ferry estabeleceu em 1880 e 1881 em duas leis que as comunas francesas deveriam dar educação primária a todas as crianças. E que estas tinham a obrigação de ir à escola. E que o ensino que receberiam nada teria de religioso.

Não fez isso por ser bonzinho. O republicano exaltado Ferry sabia que o poder de seu grupo corria perigo. A República mal tinha dez anos, duramente completados após a derrota militar para a Alemanha em 1871. Combatida pelos saudosos do Império e pelos católicos, a República precisava de uma saída.

Encontrou uma. A generalização de uma instituição pela qual todos os franceses precisariam passar, quando crianças e jovens. Nela aprenderiam a ler, escrever, que eram cidadãos de uma República que lhes assegurava direitos, que deveriam morrer por ela em guerras e que a religião era assunto a tratar apenas em suas casas e templos.

Para isso havia um agente básico. O professor. Para formá-lo, em cada região da França foi criada uma escola normal. Para formar os professores das escolas normais, foram criadas duas escolas normais superiores. Os rapazes e moças destinados ao ensino viviam em internato nessas escolas normais, semimilitares, sóbrias, até tristes.

Saíam de lá para ensinar nas pequenas comunas de um país quase todo agrário. Sérios, conscientes de ser o portador do saber em uma população de muitos analfabetos. Cada um deles uma pequena autoridade em seu lugar. Usavam um longo uniforme preto, semelhante ao da cavalaria hussarda. Ficaram conhecidos como os Hussardos negros da República.

Cumpriram bem sua missão. A França nunca mais se tornou Império.

Esse livro pode lembrar ao Brasil de hoje que educação não é lacrimoso assunto de piedade para com as criancinhas. Nem mesmo, primariamente, meio de fazer os pobres deixarem de sê-lo. Trata-se de interesse do Estado, de sobreviver como tal. Isso pode levar outro nível ao debate sobre Educação.