sábado, 27 de junho de 2015

Marcello Caetano: uma biografia política, de José Manoel Tavares Castilho



A serviço de uma ditadura

CASTILHO, José Manoel Tavares. Marcello Caetano: uma biografia política. Prefácio de Marcelo Rebelo de Sousa. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, 2012. 991p. 

O Presidente do Conselho de Ministros pôs o pé fora do palácio e do poder no final daquele 25 de abril de 1974. Semanas depois arranjou emprego como professor de direito comparado no Rio de Janeiro, de onde nunca mais saiu até morrer seis anos depois. 

O historiador José Manoel Tavares Castilho fez escolhas nesta biografia de Marcello José das Neves Alves Caetano, procurando entender como este advogado, professor e funcionário de seguradora saiu de origens humildes para o poder quase absoluto em Portugal e em partes da África. A opção do autor foi deixar o próprio biografado falar através de seus discursos, livros e sua correspondência particular.

Pode-se ler o livro em três blocos. O primeiro busca suas origens familiares, seu entrosamento na direita católica, a relação com a família da esposa e as amizades que o fariam conhecido do senhor inconteste de Portugal, o professor de finanças António de Oliveira Salazar. 

Que domina a segunda parte do livro – uma das principais fontes consiste na volumosa correspondência entre o maneiroso ditador e seu discípulo, que de vez em quando discordava de algum detalhe do mestre mantendo-se caninamente fiel no essencial. Vemos Marcello Caetano pular de cargo em cargo dentro da autocracia salazarista – chefe da organização da juventude; membro do Conselho de Estado; chefe da organização política oficial; Ministro das Colônias; Reitor da Universidade de Lisboa. 

Depois de quase quatro décadas à sombra de outro, Marcello Caetano finalmente sucede Salazar quando este se acidenta. O autor esmiúça por quase metade do livro o período de mais de cinco anos no cargo supremo – a tímida tentativa de liberalização, o isolamento do setor reformista do governo, a progressiva perda de apoio do exército, a cada vez mais desastrosa guerra colonial. Pode perceber como o biografado aos poucos perde contato com a realidade política, até a derrubada.

Este livro tanto revela quanto oculta. O leitor não encontrará uma descrição do regime salazarista. Questões básicas como a situação econômica, quais grupos sociais apoiavam o regime, porque uma ditadura advinda de um golpe militar (em 1926) tornou-se protagonizada por um civil são deixadas sem resposta. Quanto a Marcello Caetano, o livro descreve quase nada do grupo que o apoiava, por que tinha tanto prestígio de forma a permanecer no círculo do poder por tanto tempo e faz uma elipse de seis anos – entre 1962 e 1968, nos quais o biografado foi apenas professor. A pergunta básica de por que o regime foi buscar um homem que estava havia tanto tempo sem cargo para enfeixar o poder permanece sem resposta.

Trata-se de obra que exige um conhecimento prévio da história portuguesa do século XX. O leitor não iniciado nesse assunto talvez tenha dificuldades. Seu ponto forte é, no entanto, enfatizar a justificação política de um regime anacrônico que levou Portugal a um desastre político e militar na Europa e nas antigas Colônias, do qual ainda se encontra em recuperação.