segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Planeta Favela, de Mike Davis



A Antiutopia da Cidade Moderna

DAVIS, Mike. Planeta Favela. Tradução de Beatriz Medina. Posfácio de Ermínia Maricato. São Paulo: Boitempo, 2006. 272p. 

Em poucos anos algum agricultor ou família empobrecida se cansará da falta de perspectivas no campo e se mudará para as cercanias de Lagos, Nigéria; Jacarta, Indonésia; ou Lima, Peru. Este fato não gerará nenhuma manchete. No entanto será um acontecimento fundamental na história da Humanidade. Pela primeira vez desde o Neolítico viverão mais seres humanos nas cidades que no campo.

O professor e militante californiano Mike Davis começa desta forma poética seu livro-libelo sobre a habitação urbana. Esse mundo de cidades (no entanto) não seguirá a utopia de ferro e vidro imaginada por arquitetos modernistas e escritores de ficção. Será um planeta de favelas.

As estatísticas nacionais com critérios viesados impedem uma medida exata do número de favelas ou de seus habitantes. No entanto as favelas apesar de funestas e inseguras têm um esplêndido futuro, nas palavras do autor. Discute-se se a cifra de dois bilhões de favelados será alcançada em 2030 ou 2040. De qualquer forma por volta de 2035 a pobreza humana se tornará predominantemente urbana, após milênios de estada no campo.

A realidade acachapante não é resultado de alguma inevitabilidade histórica. O autor apresenta políticas de Estado que causaram ou agravaram o fenômeno – algumas até bem-intencionadas.

Os ajustes econômicos para pagar dívidas nos anos 80 e 90 arrastaram marés de favelas, que afetaram inclusive o Brasil. Poucos se lembram que em 1970 apenas 1,2% da população da cidade de São Paulo morava em favelas. Em 2005 essa proporção havia quase decuplicado, para 11%.

A tendência de habitações urbanas precárias gerou nova corrente de pensamento: as favelas não seriam problema, e sim solução – centros vibrantes de energia e criatividade, necessitando apenas de regularização da posse da terra e microcrédito. Tal pensamento florescente no Banco Mundial oculta os limites da autoajuda, especificamente a explosão de preços que acompanha a regularização, que ocasiona a expulsão dos mais pobres das próprias favelas e gera uma surpreendente porém lógica favelização da favelização.

Os programas da assim chamada remodelação ou modernização urbanas também ajudam a multiplicar o número de pessoas em habitações precárias. Nestes se encontra um fato bem atual no Brasil: os eventos internacionais, especificamente as Copas do Mundo e Olimpíadas, também servem de pretexto a dolorosas remoções de pessoas para abertura de espaços higienizados e propícios ao lucro privado.

Obra mais de denúncia e informação que de aprofundamento teorético, Planeta Favela não oferece soluções, limitando-se no seu epílogo a apontar perplexidades. A massa de pobres urbanos constitui uma humanidade excedente? Eles se revoltarão à maneira clássica? Ou as dificuldades da vida diária manterão seus conflitos entre si, em uma involução urbana? São perguntas a serem respondidas por todos, habitantes ou não de favelas.

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