sábado, 2 de julho de 2016

A Noite mais longa, de Miguel Pinheiro

Sobre uma Festa e um Drama

PINHEIRO, Miguel. A Noite mais longa.  Lisboa : Esfera dos Livros, 2014. 294p.

Na noite de 06 de setembro de 1968 Portugal vivia há quarenta anos sob o mesmo governante António de Oliveira Salazar – quase todos sob ditadura. Também mergulhara havia já sete em uma guerra colonial em três pontos diferentes do planeta, Angola, Moçambique e Guiné. Ninguém sabia quantos torturados, perseguidos, mortos. Nesta noite aconteceram uma festa e um drama. De um lado em um palácio nas proximidades de Lisboa o multibilionário Antenor Patiño decidiu torrar dinheiro em uma festa. Perto dali, muito poucos na ditadura sabiam que Salazar estava às portas da morte – e passava por cirurgia de emergência.

O jornalista especializado em temas políticos Miguel Pinheiro percebeu a dramaticidade dos dois acontecimentos, ambos com longos antecedentes. O drama do ditador (ou da ditadura) começara da maneira mais tola, pouco mais de um mês antes, quanto caiu de uma cadeira ao se sentar para ser tratado por um calista - e bateu a cabeça ao chão. Incidente já importante para qualquer homem de 79 anos, agravou-se porque Salazar não permitiu exames, e dizia que estava bem. Até que as dificuldades de escrever e andar se tornaram evidentes. A cúpula do regime decidiu por uma cirurgia – quase tarde demais.

Antenor Patiño também tivera suas preocupações, mas nenhuma delas envolvia dinheiro. Aliás, este senhor nunca soubera o significado da falta do mesmo. Era filho de Simon Patiño, o Rei do Estanho, o homem mais rico da Bolívia e um dos mais do mundo. A Casa de Antenor possuía sala de boliche, cinema, discoteca, biblioteca, casa pequena para crianças, quadra de tênis, estufa de plantas, dois lagos, piscina, campo de golfe, pomar, 5000 metros quadrados e 150 empregados para cuidar de tudo. Para mostrá-la ao mundo quis fazer uma festa de arromba, com a presença de algumas das maiores celebridades da época, de Audrey Hepburn a Henry Ford II, de Gina Lollobrigida à Princesa Ira de Fürstenberg.

O livro acompanha hora a hora o drama do regime em contraste com a festa do milionário que nada tinha contra ele. E um mito se desfaz logo: o de que ditaduras são organizadas. A desordem do Estado salazarista queda patente no desentendimento de secretários e ministros, temerosos de tomar uma decisão, e nas discussões dos médicos, todos chamados de última hora. Após passar por três hospitais, tudo sem o país saber de nada, Salazar finalmente entrou na sala de cirurgia às quatro horas da manhã do dia 7, enquanto a doce Audrey Hepburn encantava os jornalistas e todo o resto do mundo com seu sorriso e seu caríssimo modelito exclusivo Givenchy.

A ditadura portuguesa não acabou naquele dia. Salazar sobreviveu, mas sem condições de assumir o poder. E morreu dois anos depois. O livro de Miguel Pinheiro não faz uma análise do salazarismo nem das causas de sua derrocada. Descreve de maneira quase divertida o apodrecimento da ditadura, o qual teria seu desfecho a 25 de abril de 1974, e que teve como um de seus pontos simbólicos uma festa e um drama, ocorridos na mesma noite.