quinta-feira, 15 de junho de 2017

A Última Viagem do Lusitânia, de Erik Larson

Histórias em uma Tragédia

LARSON, Erik. A Última Viagem do Lusitânia. Lisboa: Bertrand editora, 2015. 463p. Tradução de Raquel Dutra Lopes.

Paulo Avelino

O Lusitânia zarpou do porto de Nova Iorque no dia primeiro de Maio de 1915. Destinava-se à Inglaterra. Nunca chegou lá. Um navio, um submarino, uma série de acasos. E de quebra, milhares de vidas. Esta é a história que o escritor estadunidense especializado em não-ficção Erik Larson nos contra neste livro best-seller.

Em uma era de grandes navios o Lusitânia conseguia ser maior que quase todos, quase do mesmo tamanho que o Titanic, que afundara três anos antes. Não era uma boa época para navegar. A Primeira Guerra Mundial começara dez meses antes e se radicalizava – a Grã-Bretanha e o Império Alemão bloqueavam-se um ao outro pelo mar, procurando impedir o comércio. Por sua desvantagem em navios de superfície, o Comando Alemão apelava para uma arma nova – o Submarino.

Nova e mortal – os submarinos na época eram tão desajeitados que, quando um torpedo era disparado, o navio ficava subitamente leve em uma das pontas e os marinheiros precisavam correr para lá para fazer peso. E eram tão pequenos que só levavam sete torpedos. Apesar disso um só submarino era suficiente para afundar navios e mais navios em uma só rota. Dificilmente se podia saber onde estavam.

No dia 30 de abril uma outra embarcação partia, dessa vez de um porto militar alemão. O submarino U-20 tinha uma missão simples: afundar o que achar que devesse ser afundado em volta da costa da Grã-Bretanha. Comandava-o o capitão-tenente Walther Schwieger, de 32 anos, e uma pessoa doce, que “não mataria uma mosca”.

Os comandantes de submarino tinham muito mais poder que sua pouca idade lhes dava. As comunicações com o Comando Geral eram intermitentes. Quando próximos do inimigo submergiam e a partir daí todo conhecimento vinha de um periscópio, com uma visão estreita, que quase só o comandante usava, e que nem podia ser usado por muito tempo – deixava um rastro facilmente detectável. O resultado era que um jovem isolado no mar podia tomar a decisão de afundar ou não um navio cheio de civis, incluindo mulheres e crianças.

O livro conta a história do navio, do submarino que o acertou e também de pessoas em volta do drama, como a de certo senhor que pouco antes comparecera a um culto protestante e pedira às pessoas que o deixassem a sós. A sós com o caixão da esposa. Eles dificilmente poderiam lhe negar algo – era o presidente dos Estados Unidos, Thomas Woodrow Wilson. Meses depois sua prima o apresentou a uma amiga, uma viúva de 42 anos, Edith Galt. Foi uma paixão de cavalheiro por dama, de cartas contidas e passeios por jardins. Casar-se-iam depois.

A Última Viagem do Lusitânia vai no rastro da tendência da não ficção de ocupar um lugar anteriormente dos romances – a suspense, a emoção, os enredos envolventes, está tudo lá. Nele não se espere uma análise historiográfica, mas uma série de histórias bem contadas, entrelaçadas por um acontecimento. Emociona e convida a virar suas páginas – o que, suponho, era seu objetivo.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

A Guerra que Portugal quis esquecer, de Manuel Carvalho

Uma Surreal Guerra

CARVALHO, Manuel. A Guerra que Portugal quis esquecer: o desastre do exército português em Moçambique na Primeira Guerra Mundial. Porto: Porto Editora, 2015. 269p.

Paulo Avelino


Os europeus desenharam fronteiras em mapas, desentenderam-se e fizeram guerras. Mataram-se e mataram aos locais. Deixaram cemitérios que hoje a floresta engole. Esta é a síntese.

Portugueses e alemães guerrearam entre 1914 e 1918 nos territórios dos atuais Moçambique e Tanzânia - uma frente da Primeira Guerra Mundial. Envolveram-se também britânicos, belgas e colonizadores sul-africanos – além dos africanos, que pagaram o maior preço. Hoje poucos o sabem – mesmo nos países envolvidos. O jornalista português Manuel Carvalho conta a história de um conflito olvidado.

Os portugueses dominavam parte da costa oriental da África desde o século XVI (Moçambique). Os alemães poucas décadas antes tomaram uma parte ao norte (a atual Tanzânia). Os Britânicos assenhorearam-se da região mais ao norte ainda (o atual Quênia). Quando as potências entrarem em guerra em julho de 1914, essas colônias também se arrastaram ao conflito.

A grande Mídia só uma vez catapultou essa guerra ao primeiro plano – no filme Entre Dois Amores (Out of Africa) na qual o charmosíssimo casal Meryl Streep e Robert Redford vive história de paixão entre matas e guerra.

O livro relata a participação lusitana na guerra. Uma pesquisa bem executada leva o leitor a lugares como o rio Rovuma, Mocimboa da Praia, Porto Amélia, Pemba, Palma, Mtwara, cabo Delgado – lugares em que mais de uma centena de milhares de pessoas viveram e mataram e morreram.

O recente governo republicano de Lisboa comprometeu-se firmemente com a guerra, embora nem tanto com os meios para sua realização. Sucessivas expedições com tropas padeceram de falhas básicas de logística, materiais, treinamento, remédios, até água potável no local. Tão terrível quanto os alemães, a malária e as anemias mataram bem mais. Muitas tropas eram compostas em grande parte de marginais, e nenhuma teve treino adequado para o combate em terreno africano.

Juntam-se a grandiosidade e a podridão de todo colonialismo – conhecemos gente como o capitão Teixeira Pinto, que antes já submetera os guineenses à submissão. Os alemães o vararam de balas em uma trincheira na batalha de Negomano. Ou como Paul Emil von Lettow-Vorbeck, o comandante alemão que se convenceu de que resistir era possível, mesmo cercado e sem receber suprimentos da Europa. E foi possível – para azar das pessoas que moravam nas regiões onde ele fez a guerra. Também figuram fatos como a Campanha do Barué – uma guerra de terra arrasada contra uma tribo supostamente rebelada, que resultou nos saques, escravidão e milhares de mortos típicos do processo colonizador.


Trata-se de livro com visão mais jornalística que historiográfica. Privilegia mais a descrição documentada dos fatos que a análise profunda de suas causas e de seu contexto, embora esta não esteja ausente. Vale pelo conhecimento de uma realidade sanguinária e surreal – europeus a lutarem por uma terra distante por uma guerra mais ainda.